Tuesday, October 10, 2006

As Peúgas de Salazar

AS PEÚGAS DE SALAZAR


Não sei, nem tenho de saber, se existe um museu Estaline ou uma Fundação Franco. Suspeito que não, embora esta suspeita seja irrelevante para a questão em apreço. Refiro-me à construção de um museu António de Oliveira Salazar, por sugestão do Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, João Lourenço.

Tanto quanto nos foi possível perceber, na antiga adega da casa do ditador será construído um auditório, e numa outra, também pertencente ao ex-perfeito de um colégio interno e presidente do Conselho de Ministros de um Estado rotundamente piroso, espelho da sua personalidade, será construído o Centro de Estudos sobre o Estado Novo. Apesar da localização suspeita, esta seria a única parte do projecto compreensível. Mas então, não seria nunca ali que aquele devia ser localizado.

Quanto à residência propriamente dita, ela será reconstituída na casinha de pedra portuguesa onde Salazar nasceu e onde serão expostos a público objectos que suscitam profunda reflexão colectiva. A cama, lugar onde Oliveira sonhou Portugal; a secretária, que imaginamos espelho rigoroso da austeridade da personagem; móveis e ainda um carro velho pertencente a um tio e utilizado por Salazar quando ia a Santa Comba Dão. Enfim, reflexos da vida cosmopolita e da personalidade aberta daquele que deu a Portugal um decisivo impulso para a identidade nacional expressa no “orgulhosamente sós”.

Haverá ainda um restaurante, naturalmente abundante em azeitonas, em homenagem ao nome de família Oliveira.

Tal facto, é tanto mais interessante quanto, na António Maria Cardoso, no prédio onde esteve sediada a ex – PIDE/DGS, braço policial do ditador, vai ser construído, ao que parece, um prédio de luxo. No qual, para ao menos haver uma placazinha testemunhando o sombrio lugar da memória sob centenas de portugueses que aí foram detidos e torturados se tornou necessário um abaixo-assinado que orgulhosamente subscrevi.

Tal como Eduardo Lourenço, penso que em Portugal o fascismo nunca existiu. Deixo esse analfabeto epíteto para aqueles que não sabem o que foi o fascismo em Itália, a sua teoria e a sua prática. Por outras palavras, entrego-o de bom grado a uma certa esquerda analfabetizada, cuja ignorância maior se centrou exactamente aí.

Salazar não era fascista. Era um provinciano que acedeu à cátedra na Universidade de Coimbra e, por aí, ao governo de um País, que todos sabemos estar desgovernado. Mas essa condição não é desculpa nem justificação para a permanência, durante dezenas de anos, de uma personagem tacanha e desconfiada à frente do governo de Portugal.

Solicitava, pois, aos proponentes do projecto que, além da cama, secretária, móveis e carrinho, expusessem também as peúgas do ditador.

Não solicito mais por decoro, mas por favor, se o projecto for para a frente, não se esqueçam das peúgas!...