Thursday, November 09, 2006

NO PAÍS DO VENERANDO

Num país quase sempre previsível, saúda-se a imprevisibilidade cardinalícia a propósito do aborto.

O que surpreendeu Portugal (incluindo o Bloco de Esquerda) foi a forma e o modo como o Cardeal D. José Policarpo se pronunciou, que não fundamentalmente o conteúdo das suas afirmações.

Estas, se bem que longe do dislate que se propagou na Igreja Católica nacional, aquando do último referendo sobre o aborto, não trouxeram nada de novo, a não ser um quase propósito de neutralidade eclesiástica sobre a interrupção voluntária da gravidez.

D. José Policarpo afastou-se assim do discurso neo-delirante produzido por uma parte da igreja aquando do processo referendário. Só isso, no aqui e agora nacional, é já da ordem do surpreendente.

Já a oposição de alguns movimentos ditos “pró-vida”, apesar da retórica argumentativa, apenas reproduzem, num país à beira-mal plantado, o tom de capelinha, ainda que retocado de um pseudo-saber, soi-disant, rigoroso.

Pior, muito pior, é a colagem do centro-direita ao discurso acima proposto. A direita portuguesa não fez ainda o luto pelo imaginário salazarista, evocação sombria de procissões e de um Estado calcorreado por estradas minúsculas e humildes, unindo aldeias caiadas pelas côdeas de pão que alimentavam “o bom povo português”.

A direita portuguesa é contra o aborto, como é contra a união de homossexuais ou a liberalização das drogas, ou ainda, contra a eutanásia. Desta forma, entrega à esquerda, se não mesmo à extrema esquerda, o que se designa por causas fracturantes, nomeação tosca para a modernidade, hoje.

Se assim não fosse, como entenderíamos o Partido Liberal Holandês, claramente conotado com o centro-direita no país das tulipas e onde pugnou e conseguiu o enquadramento legal para aquelas práticas ditas “escandalosas”. Seja a eutanásia, o aborto, a união de homossexuais ou a liberalização do consumo de drogas leves.

O problema, pois, não está em ser de esquerda ou de direita, mas no olhar que se lança sobre a contemporaneidade.

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