Thursday, November 09, 2006

O SUCESSO DA ILITERACIA


Num mundo em que a iliteracia se travestiu de alfabetização, vale a pena reflectir sobre as consequências que tal facto produz a nível planetário. Sobretudo aqui, na Europa, em que os teatros tentam desesperadamente sobreviver, as companhias de bailado são encerradas, enquanto os jovens ouvem o seu próprio vazio, disfarçado de sonoridades menores.

“Esta” Europa, que produziu Camões, Pessoa, Goethe, Dante, Elliot, Freud e tantos outros, vê-se hoje a braços com o esvaziamento identitário resultante da homogeneização de culturas, de saberes e de pseudo-saberes que invadem o Velho Continente.

Refiro-me em particular à Europa, posto que ela é o berço civilizacional que viabilizou outras culturas, outras matrizes colectivas, sobretudo no Novo Mundo.

Aqui, como lá, assistimos, de um lado, à impressionante expansão do que designaríamos por alta ciência e também, por que não dizê-lo, da alta cultura.

Por outro lado, verificamos a proliferação da chamada literatura light, que vende às dezenas de milhar, e à impostura que se propõe a explicar os mistérios do mundo, das culturas à religião, da astrologia, claramente correspondendo à manutenção de um nível pré-científico no século XXI. Mesmo sem um planeta (Plutão), a astrologia enche gabinetes, dá origem a horóscopos, etc.

É neste mundo que a obra de Dan Brown campeia e faz sucesso. Segundo a sua editora em Portugal, a Bertrand, um em cada dez portugueses já leu o tristemente famoso escritor norte-americano. Ou seja, foram utilizadas 777 toneladas de papel que juntas têm 91 vezes o comprimento da Torre Eiffel, além de alinhados poderem cobrir a distância que separa Lisboa do Algarve. E, no entanto, a obra de Dan Brown não passa de pastiche intelectual, cozinhada em pseudo-saberes históricos, em relações fantásticas, por sua vez engendrando enredos de baixo nível.

O pior, para além da atitude acrítica que move a imensa maioria dos leitores de Brown, é a impressionante divulgação a nível planetário da sua obra. Por exemplo, o Código da Vinci já vendeu mais de 40 milhões de exemplares, dos quais cerca de meio milhão no nosso país. Ombreando com as telenovelas de segunda e o número incomensurável de programas sobre futebol, ultrajantes pela fala vazia produzida, a obra de Dan Brown é, no entanto, mais perigosa.

A sua pretensão explicativa não só põe em questão os fundamentos mítico-simbólicos da nossa cultura, como fornece pseudo-explicações ao alcance de todos.

Talvez um dia não precise de voltar a escrever sobre isto, embora saiba que esse dia, se vier, muito tardará.

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