Tuesday, March 20, 2007

LINGUAGEM E POLÍTICA

A política assemelha-se frequentemente à evolução de linguagem nas sociedades ocidentais.

Não me referindo já aos fundamentos judaico-cristãos e atendo-me tão só à relação entre linguagem e Idade Média, um facto se torna relevante. Lendo os Doutores da Igreja (Sto. Agostinho, S. Tomás de Aquino, etc.) torna-se óbvio que a linguagem era tão só linguagem de uma outra linguagem. Esta, consistiria no livro anterior à fala humana, livro escrito por Deus e do qual o homem balbuciava a tradução.

Com o Renascimento, mas sobretudo com o Iluminismo, a linguagem abandona o campo da decifração de Deus para passar mais e mais a uma linguagem analítica e combinatória, a linguagem da razão, a racionalidade da linguagem. A leitura por exemplo de Kant faz-nos perceber como o subjectivo objectiva, ou seja, como o campo da fala se destina a criar relações com os objectos e com o mundo que rodeia o homem.

A psicanálise introduz uma terceira rotura entre o homem e a linguagem. Galileu retirou à Terra e portanto ao homem a condição de serem o centro do universo, já que não era mais o Sol que andava à volta da Terra, era a Terra que andava à volta do Sol. Darwin ao fazer do homem uma evolução dos primatas, retirou-lhe de vez a ilusão criacionista (o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus), para o colocar num modelo evolucionista que nos “reduz” à condição de macacos falantes.

Porém Freud foi mais longe ao mostrar que nem de nós mesmos somos o centro. O que falamos é semelhante a um iceberg, 1/5 vê-se, 4/5 são invisíveis. Mas é aí, nos 4/5 escondidos que soçobram as almas dos homens pelo conflito, pela tristeza, pelo desencanto. Já não há portanto uma linguagem de um Eu, mas outro sim um Eu apropriado pela linguagem, sendo esta portanto o centro e o desvio do centro do sujeito.

Aqui, é a subjectividade que se objectiva onde, como atrás afirmamos, outrora era objectividade subjectivada.

A política encontra-se também presa aos mesmos paradigmas. Daqueles que na senda latente de um medievalismo escondido supõe que tudo está escrito, basta decifrar.

É a ilusão maior do leninismo e seus derivados, quando supõem uma escrita determinista do clã à tribo, da tribo ao feudalismo, deste ao capitalismo, depois ao socialismo e finalmente a terra prometida, o comunismo.

Por baixo de uma retórica pseudo-científica encontramos Sto. Agostinho de braço dado com Galileu, ambos crentes no determinismo, ambos assombrados por um destino que só a linguagem (retórica ou científica) permitiria decifrar. Foi também essa a ilusão patológica do corporativismo salazarista ou da Assembleia Constituinte que “pariu” um país em direcção a uma sociedade sem classes.

Mas face a esta linguagem da realização é cada vez mais necessário opor uma linguagem da escuta. Escuta do cidadão, do sujeito individual, das aspirações e dos conflitos da sociedade civil. Esta forma de fazer política com humildade, só é possível se o Eu político não se pensar dono de uma linguagem, mas atravessado por uma linguagem. De certa forma, o Eu Cavaco, Presidente e o Eu Sócrates, Primeiro-Ministro, parecem fazer um esforço por ir por aí.

O futuro nos mostrará se a persistência nesta dimensão, poderá continuar a ser viável.

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