Tuesday, March 20, 2007

O NATAL DO NOSSO DESCONTENTAMENTO!

Não sou, não fui e, provavelmente, nunca serei crente. Uma racionalidade feroz inibe-me de qualquer outra coisa que não seja esta posição de base que nem sequer roça o agnosticismo.

Estou, por isso, completamente à vontade para escrever sobre as paródias anti-natalícias que pareceram invadir a Europa neste Natal de 2006. Tais factos foram particularmente evidentes em Espanha e em Inglaterra.

Alguns exemplos, pelo seu aparente ridículo, dão para pensar. Em Mijas (Málaga), a directora de uma escola pública colocou no lixo um presépio feito por alunos da disciplina de religião já que, segundo ela, numa escola pública de um país laico não deveriam ser permitidos símbolos religiosos. Também em Espanha, em Saragoça, foi decidido numa escola não haver festa de Natal para não correr o risco de ofender as crianças não cristãs. Em Inglaterra, várias empresas querem branquear as celebrações de Natal, para além de que algumas autarquias ensaiaram retirar as referências cristãs ao Natal. Pasme-se! No Canadá, tal problema, há cerca de seis anos, chegou a ser abordado no parlamento.

Na Alemanha, autoridades municipais objectaram à exibição do filme “O nascimento de Cristo”, considerando que este poderia ser motivo de ofensa para não cristãos.

Tal como Jeff Randall, jornalista britânico agnóstico, acho totalmente absurdo transformar o cristianismo em crime. Tal como aquele jornalista, só posso entender estas práticas como da ordem da auto-humilhação.

Porém, e independentemente dos múltiplos protestos que tais práticas suscitaram, estas são evidentemente da ordem do sintoma, neste caso o da supressão, na letra, na palavra e na acção, do que constitui a festa por excelência da família nos povos europeus.

Só um puro sentimento de cobardia (física e intelectual) pode justificar o início de uma pseudo-descristianização que remete tão-somente para aspectos arcaicos do pensamento, sobretudo os ligados aos medos e ansiedades primitivas.

O familiar, o conhecido, o espaço-tempo onde envolvemos calorosamente as nossas festividades, corre assim o risco de se transformar no estranho, no lúgubre, no ameaçador.

A pergunta é de uma dimensão inquietante. Onde nos levará o multiculturalismo, literalmente beato que, par e passo, mina as fundamentações simbólicas de uma cultura.

A resposta a esta questão é mais e mais da ordem do desmentido. Desmentido da nossa realidade, desmentido da nossa História, desmentido dos nossos símbolos.

Mil vezes Saladino expulsando os cruzados de Jerusalém. Mil vezes a confrontação clara, a única capaz de conduzir ao diálogo entre diferentes formas de olhar a Deus.

O que não é suportável para um não crente como eu é a estupidez politicamente correcta que apenas conduz inexoravelmente a nossa civilização à sua auto-castração, em nome de uma alteridade radical, mortífera da nossa identidade.

1 comment:

dorean paxorales said...

A fúria relativizadora deste novo pensamento único tem aspectos, para um não-crente como eu, ainda mais assustadores. Falo do sentimento de culpa ocidental ou lá o que é que leva alguns a pôr em causa o primado da vida humana, precisamente por poder não ser partilhado por todas as culturas. Antes isso, assim parece, que o horror de cair na tentação de nos julgarmos, nós europeus, donos de uma civilização superior.