Tuesday, December 20, 2005

ADOPÇÃO E IDENTIDADE DE GÉNERO

Não escondo que as declarações de Luís Villas Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da lei de Adopção portuguesa, sobre a “infelicidade” de uma criança ser educada por homossexuais, “sejam dois ou um”, me pareceram tão previsíveis, como previsíveis foram as reacções que um sem número de associações tiveram, exigindo pura e simplesmente a sua demissão.

Os argumentos aduzidos pelos dois lados, pecaram por pôr de parte a única questão que deve interessar ao cientista, a saber, se há ou não evidência de efeitos psicopatológicos, desenvolvimentais ou na identidade de género de crianças criadas por pais (biológicos ou não) homossexuais.

Ora, é justamente aí que a questão se coloca, e é a partir daí que ela deve ser pensada. Existe com efeito uma abundante literatura cientifica que no mínimo põe em dúvida, afirmações tão radicais como as proferidas pelo Lic. Villas Boas.

Estudos empíricos como os de Bailey et al (1995), Flaks et al (1995), Green (1978) (1982) (1986), Hoeffer (1981), Huggins (1989), Kirkpatrick et al (1981), Koepke et al (1992), Patterson (1994), Turner et al (1990), entre muitos outros, não mostram diferenças significativas entre grupos de crianças criadas por pais homossexuais ou heterossexuais

Aliás, a American Psychological Association, publicou um artigo fundamental “Lesbian and Gay Parenting”, que mostra de forma concisa que não se encontram, na literatura cientifica revista, diferenças no que se refere aos aspectos mais marcantes para a criança. O ser cuidado por casais homossexuais, não teve impacto na aquisição da identidade de género, no comportamento sexual, no desenvolvimento pessoal ou mesmo nas relações interpessoais da criança, ou seja, na socialização.

Também não se encontraram repercussões nos processos de separação/individuação, nas avaliações psiquiátricas, na personalidade ou no desenvolvimento do julgamento moral.

Por outro lado, o relatório técnico da American Academy of Pediatrics, publicado na Pediatrics (Fevereiro de 2002), subordinada ao tema “Coparent or Second-Parent Adoption by Same-Sex Parents”, vai exactamente no mesmo sentido, ou seja que não há diferenças evidentes entre crianças que cresceram com um ou dois pais homossexuais das cuidadas por pais heterossexuais, seja do ponto de vista emocional, cognitivo, social ou da identidade de género. O que parece afectar o desenvolvimento infantil é a natureza das relações e das interacções familiares, o que é, obviamente uma questão outra. Talvez por isso, a mesma American Academy of Pediatrics, num outro texto, também de 2002, aceita não só a possibilidade de adopção por casais homossexuais, como recomenda aos pediatras que se familiarizem com a literatura cientifica publicada sobre o problema.

Parecem assim problemáticas, declarações como as que o Lic. Villas Boas proferiu, tais como, que uma criança adoptada por homossexuais , virá a ter interferências como a sua “sexualidade natural”, sendo portanto esta adopção “ um atentado ao direito das crianças”.

Paradoxalmente, comungo inteiramente da sua ideia que “não existe uma homossexualidade genética”, sabendo embora das controvérsias e dúvidas científicas, contidas em tal afirmação. O problema é que a questão das identificações imaginárias, subjacentes queira-se ou não ao discurso daquele psicólogo, não se traduz tão só ou fundamentalmente nas modelações sociais, a partir do discurso e das práticas visíveis. A identificação homossexual (tal como aliás a heterossexual) “obedece” a mecanismos complexos inconscientes, que nos levam a uma “escolha” que se localiza para além da bissexualidade psicológica fundante da espécie, encaminhando uma boa parte daquela, para uma monossexualidade estruturante da identidade de género.

Mas o que me afasta de Luís Villas Boas, não me aproxima, nem um pouco da procissão discursiva tipo marketing de baixo recorte, oriunda do outro lado da cena. Não é pedindo a demissão do Lic. Villas Boas, que aliás nem sequer me parece imbuído de má fé, mas tão só ingenuamente crente nalguns valores “civilizacionais”, que se instala em Portugal um discurso racional, moderno, sobre esta ou outras questões.

E já agora solicitaria ao nosso colega e amigo Doutor Eduardo Sá, um pouco mais de rigor na argumentação. Não basta, em questão tão delicada como esta, sermos contra ou a favor, neste caso a favor, ou abrir o discurso a significantes tão ambíguos como “carinho”.

O que precisamos mais do que nunca é de uma coisa, que não é da ordem do carinho. Devolver esta discussão aos seus fundamentos científicos e, por aí, retirar a qualquer Opus o exercício ideológico da militância, pela devolução da questão ao seu ponto crucial.

A ciência não se estabelece, nesta como em qualquer outra questão, sobre o senso comum, por muito bom senso que pareça ter, ela faz-se justamente para além daquele. O que aliás devia ser sabido, também, pela mediana dos media .

O problema está, uma vez mais, na escolha do significante mais fácil, mais convincente, porque mais confluente. Ou seja, aquele que só serve para português (não) ver.

Não se sacode a poeira de um País serôdio, a não ser pelo rigoroso exercício da razão. E mais não digo.

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