Tuesday, December 20, 2005

SINTOMAS DE INDIVIDUAÇÃO NA E DA METRÓPOLE*

A minha posição perante a cultura contemporânea (na qual obviamente se inclui o tema deste colóquio sobre o urbanismo e a pós-modernidade), recorda-me sempre a de Humpty Dumpty do romance de Lewis Carrol “Alice do outro lado do espelho”. Sinto-me um pouco como ele em cima de um alto muro “tão estreito que Alice se perguntava como ele podia manter o equilíbrio”, instabilidade essa que é obviamente reforçada quando nos damos conta do formato oval do personagem. Mas não é do ovo de Colombo que se trata em Humpty Dumpty, embora algumas questões que ele mesmo levanta sobre a linguagem aí se pudessem inserir, sobretudo hoje, quando verificamos a tentativa abortada de apropriação do discurso crítico por um passadismo pseudo-cientifizante que encontra a sua hipérbole nalguns radicais sociologizantes, enrolados num discurso sobre as ciências, que de ciências têm pouco, de razão crítica ainda menos e de pretensão pós-paradigmática demasiada, ainda que se não saiba muito bem do que se trata quando se fala ou se escreve ou ainda se diz a propósito.

Tal como imagino Humpty Dumpty, inscrevo a letra mais sob o sinal da vertigem, abismo quase nietzschiano que se abra ao dialogo sobre a fronteira que é o próprio muro.

Bem provavelmente excessiva pretensão, essa de estar na fronteira, tal como Humpty Dumpty no seu muro estreito, permeável e simultaneamente impermeável à articulação das diferenças.
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* Conferência apresentada no Colóquio Metropolis in Postmodernity, 12 de Dezembro, 2003
Esses dois lugares do muro, que designaria por simplificação de modernidade e pós-modernidade, não me inclinam para um ou outro lado mas, na complexa procura do equilíbrio apenas me permitem traduzir, quiçá interpretar. Uma óbvia inferência é que este equilíbrio, sempre incerto me impõe, para a sua difícil manutenção, numa ordem Wittegnistiana, em o que deve ser calado fica, psicanaliticamente falando, na ordem de um não dito, ainda que este operacionalize paradoxalmente a procura do sentido.

Porém, no muro, instável e vertiginoso, Humpty Dumpty dialoga com Alice sobre as palavras, sobre o uso das palavras. Enquanto que para Alice a questão é a da demanda da polissemia do sentido, para Dumpty o problema é quem manda, ou seja, saber quem manda. De outra forma, e isso é o ponto essencial, o que emerge é o questionamento do poder e a apropriação da linguagem.

Questão curiosa esta, nos dias de hoje, em que a posição depressiva (ou seja, psicanaliticamente integrativa) do moderno, fundado é consabido na transformação industrial, pelo capital industrial e pela sociedade de consumo et por cause numa ideia do mundo centrada sobre o sujeito desejante (o que é capaz de produzir riqueza e obra), cede o seu passo à atomização esquizo-paranoide (psicanaliticante dispersiva), e em que, o fim das vanguardas, a fragmentação dos grupos, a “atomização da crítica”, parecem impor uma ordem do silêncio sobre o outro lado do muro, senão mesmo o silêncio puro e duro, ainda que como todos sabemos, haja mais coisas do que as que se supõem serem vistas por todos.

Entre estas, sublinharia desde logo o efeito da globalização sobre o planeta tal como o conhecemos, efeito esse que, é consabido, ultrapassa pela sua lógica aqueles que pela direita ou pela esquerda esperneiam na contemporaneidade, produzindo um efeito de paródia, a que Kiekegörd responderia convocando o real como a mais dura das categorias e Freud, em 1911, solicitando a escuta do principio da realidade, já que o principio da prazer apenas pode fornecer pela ilusão da fantasia, aquilo que a realidade pode, pelo menos em parte, conceder. Com sofrimento é certo, penosamente é sabido, mas essa é a condição irredutível do humano, falha gloriosa a que convém não escapar.

É portanto face à realidade e ao seu principio, que a questão urbana se coloca; num lugar, ou melhor no lugar mais nobre, já que sobre ele se convoca o olhar do sujeito cívico-o que anda, vive e ama no âmago urbano.

Não discutiria, pelo menos para já, a dessincronização simbólica da cidade como centro dos contextos culturais, seja pelo poder dos media, pela generalização da comunicação, pelas novas interacções relacionais resultantes da sociedade centrada no lar e no indivíduo, assente nas novas Polis (A Telepolis, a Cosmopolis ou a Tecnopolis). Faria apenas um apontamento de margem, tal como Dumpty, à intersecção entre o narcisismo emergente e a Ágora possível, pela globalização das culturas e, porque não dizê-lo do próprio espaço e tempo. O que provém destas redes, ditas virtuais, interroga obrigatoriamente o sentido tradicional da Polis, enquanto território delimitado, visível e secante nas suas produções ao que dela se esperava, nos edifícios, nas ruas, nas Universidades, etc.. A recombinação das matrizes, resultantes da invisibilidade física, empurra o sujeito para um lugar da dissolução simbólica do urbano, enquanto diversidade cultural.

Ora é justamente esta pauperização do simbólico e da sua ordem, que importa discutir, já que o sintoma maior do urbano na pós-modernidade. assenta justamente aí, ou seja, na sua alienação ao jogo de imagens a que a Polis de hoje se parece condenar. A convocação que proponho, resulta obviamente de um enfoque maioritariamente psicanalitico, embora longe de nele se esgotar. É que a questão do real, do simbólico e do imaginário, para parafrasear Lacan, encontra-se em todos os limites da produção cultural a que o humano se auto-propõe, em primeiro lugar, os lugares. Lugares da morte (os cemitérios), os lugares da vida, as cidades, sempre condenadas a uma outra-cena, como é visível nas toponímias que nomeiam uns e outros.

Mas o que se espera do espaço urbano, é que ele se mantenha como epicentro da ordem simbólica, ou seja, aquela que desaliena o sujeito do olhar do outro, pela acessibilidade ao saber que deconstroi a aproximação/distância face ao outro. O urbano é da ordem da morte da coisa, monumentalidade sacrificial ao simbólico, visível e invisível na construção como um mais além. Veja-se por exemplo as recentes declarações de Álvaro Siza, a propósito das Torres de Alcântara, aonde a Ponte mata, para fazer renascer o espaço arquitectónico.

Embora tal escuta não seja explícita, no dizer que se faz sobre o moderno, é aí mesmo que o sujeito se implica na ordem simbólica que face a ele existe e que também insiste e pré-existe. A emergente conflitual, já que a resultante é sempre conflitiva, expressava-se e expressa-se ainda na arquitectura, aonde inexoravelmente se interligam os registos simbólicos do mundo, da economia à política, às artes, ao urbano. A arquitectura, provavelmente a filha mais exemplar da cultura de tantas eras, articulava e configurava na modernidade, o espaço urbano e a nossa relação com aquele. Por outras palavras, entre o real (e insuportabilidade da necessidade de abrigo e alimento), o imaginário (lugar aonde a imagem do mundo e do outro se cruzam na alienação do eu que olha e é olhado e por aí reconhecido), e o simbólico (caesura que introduz o corte e a costura entre o Eu e o Outro), os limites formais e constitutivos do moderno e sua expressão arquitectónica, criaram um contexto suficientemente padronizado, em que o olhar sobre a cidade não se sustentava exclusivamente no vertex restrito e mercadológico.

Não me refiro obviamente ao mercado, ou à sua expressão societária, mas à reificação da mercadoria, ou seja do real, como deslize maior que infiltra no pós-moderno a cidade, enquanto sintoma de uma asfixia da própria linguagem urbana. É que, se concebermos a relação real/simbólico/imaginário como uma corrente trifásica, é o fusível queimado do imaginário que explicita a desertificação do urbano, progressivamente substituído pela cidade-espectáculo. Não me refiro tão só ou apenas à destruição física da Polis, ou seja o pior do pós-moderno, para o que bastaria um breve passeio dos Restauradores ao Marquês de Pombal, mas sobretudo do espaço público que ele representa ou deveria representar. É desse imaginário, fusível queimado na interligação entre o real e o simbólico, que encontramos hoje restos metonímicos, onde o sujeito urbano outrora se metaforizava. Obviamente que a deslocalização da relação especular Eu-Outro pela revolução tecnológica das comunicações, que por si mesma retirou o urbano da sua localização social, fragiliza a entidade física da metrópole.

Porém esta nova alteridade relacional sujeito-outro, sujeito-mundo, se em si mesma é subvertora da condição urbana, pela instântaniedade da interacção electrónica, não pode nem deve ser tomada como justificação mortalista para as questões que as cidades de hoje levantam.

Sei perfeitamente que esta proposta discursiva, se afasta em larga medida daquilo que Lyotard de um lado e Aldo Rossi do outro, designavam por pós-moderno, o que não é de admirar já que é de um outro ângulo que proponho a textualidade crítica.

Quanto a nós, a questão central é a transformação urbana enquanto relação libidinal com a pulsão escópica (pulsão do olhar), num progressivo deslize para a coisa. Ou seja, uma inversão da transformação do imaginário em simbólico, pela deglutição daquele pelo real.

Retomaria aqui o discurso de Jameson (1997) sobre o Hotel Bonaventure em Los Angeles. “O que pretende salientar”, afirma Jameson, “é a forma pela qual esse revestimento de vidro repele a cidade lá para fora, uma repulsa cuja analogia se encontra nos óculos de sol espelhados. De modo similar, o revestimento de vidro dota o Bonaventure de uma certa dissociação peculiar e deslocada da sua vizinhança; não se trata sequer de um exterior, na medida em que ao olhar-se para as paredes externas, não se vê o hotel, mas imagens distorcidas de tudo o que o circunda”.

Estes óculos de sol espelhados que se limitam a reflectir as imagens de tudo o que os circunda, ou seja, imagem pela imagem, encontram o seu ponto mais alto no sintoma maior do urbanismo pós-moderno, a saber, os shoppings-center. Expressão irónica, já que ir ao centro (ao Rossio, aos Restauradores), não é concerteza o mesmo que ir aos shoppings-center, embora estes sejam, tão só, um análogo do ovo de Colombo da estética do mercado. Autênticas cápsulas espaciais criadas para sustentar o espectáculo mercantil e a sua estética imanente, os shoppings reflectem a condição autista do real que submete o imaginário e deglute o simbólico na arquitectura puramente fotográfica high-tech, embrulho letal para a regulação do sentido da vida nas cidades de hoje, ou seja, uma relação não mediatizada à mercadoria. A legitimação deslocou-se do pensamento para o produto, pois só a aquisição parece legitimar o sujeito, que por ai mesmo, passa à categoria paradoxal de sujeito adquirido.

A progressiva extinção do “flaneur”, em que o gozo do perambular pelas ruas, dá progressivamente lugar ao andar robótico pelos corredores dos shoppings, numa hipnose letárgica do devaneio, extinguido pelo real mercadológico constitui-se, a meu ver, como o sintoma maior da cidade “pós-moderna”. A apologia do simulacro do simbólico, resgatado na forma de gadget, remete-nos, queira-se ou não, para uma anomia ética e estética.

Diga-se de passagem, que um dos sintomas psicopatológicos maior do nosso tempo, a saber a toxicodependência representa no mais elevado grau a questão sindromática pós-moderna. As drogas, são na sua essência o consumo, não sendo por acaso que os toxicodependentes se chamam, nos circuitos especializados, consumidores. Curiosos consumidores da única mercadoria que não necessita de publicidade, já que ela representa na sua espectacularidade o retorno do gozo e da dor ao real, como lugar mortifero do sujeito pensante e desejante.

Mas, e agora que se aproxima a época natalícia, aonde se encontra e constitui a cidadania? Nos shoppings como monumentalidade de um real submetido a si próprio, e que por isso condensa estranhamente a Ágora, o Templo e o Mercado.


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Poderá parecer aos que me escutam, que afinal o estreito muro em que me auto-propus como Humpty Dumpty me levou numa inglória tentativa de equilíbrio em olhar mais para um lado que para outro. Assumo parecer que assim seja. Porém, não me basta-não basta-denunciar as imposições estilisticas e mercadológicas, pseudo-ecléticos, mas vazias de conteúdo crítico, para encontrar uma linguagem para a permanência da Polis. Ou seja, é também necessário regressar à discussão do lugar tal como ele se constituiu; a saber como somatório de factos urbanos, ligados pela história, tradição e memória de um povo, somatório esse que se constitui como ordem simbólica da tecitura cosmopolita e simultâneamente idiossincrática, já que refazendo-se como continente e conteúdo, expressão major dos seus significados.

E aí a ressonância do lugar impõe-se, como consequência entre o moderno e o pós-moderno, o que não significa, longe disso, qualquer defesa de um urbanismo regional, paródia anti-globalizante e insustentável. O que achamos possível e desejável, em primeiro lugar como cidadãos, é uma aproximação resgatada do simbólico urbano, pela assimilação do existente e do contexto histórico em que se desenvolveu, aproximação essa que viabilize uma relação aberta com o contexto, integrando por isso uma arquitectura contemporânea na história, nas tradições locais e, obviamente, também nas condicionantes ambientais e climáticas.

O respeito pela cidade e pela sua história, deve ter como epicentro o homem como usufrutuário do lugar. Qualquer discussão sobre esta matéria deve levar em conta a essência do sentido de permanência e a existência do sujeito individual, contra-ponto crítico à massificação e à perda de sentido que atravessa o urbano e a fortiori a contemporaneidade.

Porém, e ainda como Humpty Dumpty no muro, não posso deixar de me interrogar como psicanalista sobre a frase agora mesmo escrita: “a essência do sentido da permanência”. O que realmente estou em vias de escotomizar, face ao efémero que me chega também pela História? E aí, Freud revisita-me, a partir de Novembro de 1915, nesse belo e notável texto sobre a transitoriedade. Perdoem-me a longa citação, mas torna-se imperativa no aqui e agora do discurso e da escrita. Afirmava Freud: “Não há muito tempo, dei um passeio na companhia de um amigo taciturno e de um jovem-poeta, embora já-famoso; percorrendo uma paisagem estival florescente. O poeta admirava a beleza da Natu­reza ao nosso redor, mas sem se alegrar com isso. Perturbava-o o pen­samento de que toda essa beleza estivesse destinada a perecer, que acabasse por morrer no Inverno, tal como toda a beleza humana, tudo o que de belo e sublime as pessoas tivessem criado ou pudessem criar. Tudo o que ele, de outra forma, teria amado ou admirado lhe parecia perder valor devido à fatal transitoriedade a que estava votado.

Sabemos que há dois movimentos psíquicos diferentes que podem originar-se na ideia de que tudo o que é belo e perfeito tende para a decadência. Um deles conduzirá ao tédio doloroso do jovem poeta; o outro, à revolta contra factos consumados: não, é impossível que todo este esplendor da Natureza e da arte, o nosso mundo sensível e o mun­do externo se dissolvam, de facto, no nada. Seria demasiado absurdo e presumido acreditar nisso. Essa magnificência deverá poder manter­-se de qualquer modo, eximir-se a todas as influências destrutivas.

Esta exigência de eternidade só por si é claramente uma conse­quência dos nossos desejos e não o resultado de uma reivindicação realista: aquilo que é doloroso também pode ser verdadeiro. Não pu­de negar a transitoriedade generalizada, nem circunscrever o belo e o perfeito a uma excepção. Mas contestei a visão pessimista do poeta de que a transitoriedade do belo implicasse a perda do seu valor.

Pelo contrário, implica um aumento! O valor de transitoriedade corresponde a um valor de escassez no tempo. A limitação das possibi­lidades de usufruto aumenta a sua preciosidade. Considerei in­compreensível que a reflexão acerca da transitoriedade do belo nos estragasse a alegria que nos proporciona. No que toca à beleza da Na­tureza, ela ressurge no ano seguinte, após cada destruição operada pelo Inverno e, esse retorno, poderá ser descrito como eterno em rela­ção à duração da nossa vida. Da perspectiva da nossa própria vida, consideramos que a beleza do corpo e do rosto humanos desaparecem para sempre, mas esta fugacidade acrescenta-lhe um encanto re­novado. Se houver uma flor que apenas floresça durante uma única noite, a sua beleza não nos parece, por isso, menos excelente. Tão­-pouco sou capaz de concluir que a beleza e a perfeição da obra de arte e das criações intelectuais possam ser desvalorizadas devido à sua circunscrição temporal. Poderá vir a existir uma época em que os quadros e as estátuas que hoje admiramos surjam em ruínas, ou uma geração após a nossa que já não compreenda as obras dos nossos escri­tores e pensadores, ou até uma era geológica em que se extinga toda a vida animada existente na Terra; porém, o valor de tudo o que é belo e perfeito é apenas determinado pelo seu significado para a nossa vi­da emocional, não necessitando de nos sobreviver e sendo, por isso, in­dependente de uma duração temporal absoluta.”

Um pouco mais adiante, Freud, dá-se conta do seu fracasso argumentativo, face aos seus dois companheiros. “Deve ter sido a revolta contra o luto que os privou do prazer do belo”. Luto este que é de uma ordem enigmática, para parafrasear de novo o fundador da psicanálise, ou seja, porque é que nos é sempre penosa a separação dos objectos, "não desistir daqueles que se perdem, mesmo quando a sua substituíção se encontra viabilizada”.

A conversa com o poeta, afirma Freud, ocorreu no Verão anterior à 1ª. Grande Guerra Mundial. Guerra essa, para voltar a citar Freud que “nos despojou de muitas coisas que amáramos e nos mostrou a fragilidade de várias outras que tinhamos considerado duradouras”. Mas pergunta-se Freud “aqueles bens, agora perdidos, surgiram-nos realmente desvalorizados porque se revelaram tão ilusórios e frágeis”? A muitos de nós parece ser assim, mas eu penso de novo que erradamente”. (...) “Somente quando o luto estiver feito, ficará claro que a nossa grande estima pelos bens culturais não foi abalada pela sua fragilidade”.

É também esta relação entre o luto e o transitório, que se encontra subjacente a muito do discurso de hoje sobre a cidade. Ele é frequentemente da ordem da revolta contra o luto, mas também muitas vezes sustentáculo para a sua elaboração ou mesmo para a sua per-elaboração. Diga-se, que é esse o lugar em que me auto-proponho.

Sei perfeitamente também que Humpty Dumpty estava confiante de que se caisse do seu muro estreito, os soldados do Rei viriam ampará-lo na sua queda, coisa sobre a qual não posso ter a mesma certeza do famoso personagem de Carrol.

Mas sei também que os jogos de linguagem de Lewis Carrol, se fizeram essencialmente a partir das cartas de baralho, ou seja, seres sem espessura e, simultaneamente, figuras espelhadas e invertidas. E seria por aí mesmo que pretenderia terminar esta breve comunicação. O que me atormenta mais no pós-moderno, é o retorno ao sem espessura inerente a um real metomímíco, retorno esse que empurra o sujeito para uma àrea bi-dimensional entre ele e a mercadoria, como se um fosse impossível de conceber sem a outra. E por aí, os acontecimentos, a deriva urbana, não são mais procurados em profundidade, mas tão só promotores de um turismo hilariante e de consumo. Para retornar a Freud, encontrariamos aqui um transitório condenado ao breve.

A questão é então uma vez mais do espelho invertido, como nas figuras do baralho de cartas. Quem sou eu? O que se apropria do gadget ou aquele que por ele é apropriado?

Resposta a que só a razão crítica, e o retorno dos intelectuais à cena pública pode dar corpo. Mas não, à velha maneira messiânica figurada ou caricaturizada conforme se queira por Jean-Paul Sartre, enquanto figurino da relação antinómica entre os intelectuais e o Poder. Suponho que Atenas, a ex-libris por excelência da Polis, nos tem, uma vez mais muito que ensinar por aí. É que, sem cair do muro e sem a ilusão de ser apoiado pelos soldados do Rei, pudemos de alguma forma retornar à intervenção cívico-intelectual ateniense, enquanto dialogantes com o Poder, diálogo sem o qual, a questão de Humpty Dumpty sobre a apropriação do poder como apropriação da linguagem, fica irredutivelmente sem sentido.

Se até a indústria descobriu como transformar o esgoto em estrume, mal vai o mundo, se não somos capazes de encontrar caminhos novos face à pastiche do caos.

Bibliografia
Amaral Dias , C (1995) Ascensão e Queda dos Toxicoterapeutas, E. Fenda, Lisboa
Carrol, Lewis (2000) Alice do Outro Lado do Espelho, E. Relógio D’Água, Lisboa
Freud, S. (1915) Sobre a Transitoriedade - Ed. S.F. Br. Obr. Compl. Vol. XIV, pag. 345-35 D
Jameson, F. (1997) Pós-modernismo. A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo. Ed. Ática

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